sábado, 29 de março de 2008

Medicina Tibetana

O doutor Pema Dorjee, especialista de medicina tibetana, esteve no Brasil em setembro para ensinar que a saúde não é só uma questão do corpo. Suas idéias podem auxiliar a todos no encontro de uma vida mais plena, saudável e com novos significados.

Ele tem um olhar firme e um aperto de mão generoso. Sua voz clara e seus conceitos revolucionários causaram impacto nos ouvintes atentos, que durante cinco dias acompanharam sua visão sobre o desenvolvimento de doenças e a recuperação da saúde. “Sempre quis conhecer o Brasil. É um prazer estar aqui”, diz. Autor de vários livros, como o recente Spiritual Medicine of Tibet (sem tradução para o português), hoje ele atua como conselheiro de pesquisa do Instituto Médico Tibetano, em Dharamsala, Índia. Sua vinda teve o apoio da Associação Palas Athena e resulta da carta de intenção assinada entre o reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o dalai-lama, quando esse último visitou o país no ano passado.
Vale a pena conhecer um pouco do que a medicina inspira da no budismo tem a nos ensinar.
A DOENÇA SURGE PORQUE IGNORAMOS COMO A VIDA REALMENTE É
Segundo a medicina tibetana, há um modo distorcido de compreender a realidade. É uma ignorância, que caracteriza todos os seres humanos. Não compreendemos o que é a vida ou quem somos. Para escapar dessa falsa visão do mundo, precisamos saber o que nos prende ao sofrimento. Idéias errôneas podem nos fazer sofrer tanto que acabam por conduzir a estados de completo desequilíbrio mental, energético e físico.
A IGNORÂNCIA GERA VENENOS
O estado de não-compreensão dá origem a três sofrimentos, ou venenos, que podem causar desequilíbrios físicos, energéticos e mentais.

1. A primeira condição que nos leva ao sofrimento é o apego. Nasce basicamente de nosso olhar: vemos algo e imediatamente o desejamos. Se ansiarmos muito, vamos fazer de tudo para obter aquilo, e o estresse causado por isso é incrível. Além do mais, a frustração e a insatisfação gerada por não conseguir o que queremos também ocasionam o sofrimento e, com base nele, várias doenças. Todo um conjunto de sintomas pode ser identificado como excesso de apego. Na iconografia tibetana, o apego é representado por uma serpente animal que pode ser magnetizado por objeto ou som.

2. O segundo veneno, ou condição de sofrimento, é a raiva. Ela se manifesta quando sentimos nosso território invadido, quando somos insultados ou quando achamos que perderemos algo. O problema não é sentir um pouco de raiva de vez em quando, mas reagir com raiva e agressividade à maioria dos estímulos ou, pior, engolir a raiva. É importante identificar por que a sentimos, de onde surge. O animal que mais simboliza a raiva e a agressividade, segundo os tibetanos, é o galo.

3. O terceiro veneno é a estreiteza mental. Os tibetanos simbolizam a estreiteza mental por um porco, o animal que se chafurda no chão e que não tem horizontes amplos. Como no caso da raiva e do apego, todo um conjunto de doenças pode ser detonado por essa característica.



OS VENENOS ATINGEM OS TRÊS TIPOS HUMANOS DE MODO DIVERSO
Para a medicina tibetana, existem três tipos básicos de ser humano. Eles normalmente são associados a animais ou a elementos da natureza para a melhor compreensão de suas características.

1. O primeiro tipo é agitado, ágil, instável, fala muito, tem o pensamento rápido e pode ser ansioso. Como as aves e os macacos, não consegue parar quieto. Está associado ao elemento ar e aos ventos – ou correntes de energia interna que atravessam o corpo sutil – e aos pulmões. Esse tipo humano é particularmente sensível ao apego e às doenças ocasionadas por ele (basicamente, são doenças mentais ou relacionadas ao sistema nervoso). Isso não quer dizer que não possa ter outras doenças ou ser afetado por outro tipo de emoção.

2. O segundo tipo está relacionado à raiva e ao elemento fogo. É altamente inflamável, agressivo, irritável, vem associado aos grandes felinos, como tigres e leões. Também está ligado à bílis, secreção da vesícula, e ao fígado, seus pontos fracos, como também o coração. São sensíveis às infecções.

3. O terceiro é mais tranqüilo: reage com lentidão e pensa devagar. A incapacidade de ver uma situação com clareza é seu problema. Portanto, esse temperamento está relacionado à mente presa a detalhes e sem grandes horizontes. Também está ligado ao elemento terra, ao estômago e à fleuma. Os elefantes e os búfalos simbolizam esse tipo de pessoa. São mais sensíveis às intoxicações e aos tumores (que, para a medicina tibetana, não passam da solidificação de toxinas). Como na medicina aiurvédica, uma pessoa pode apresentar um elemento predominante ou ser uma composição de dois tipos.
TRÊS ANTÍDOTOS
Para contrabalançar nossa tendência natural e neutralizar os venenos, existem maneiras de enfrentá-los.

1. Para os apegados, a melhor solução é aprender a se desgrudar da situação. E o maior argumento para isso, de acordo com o budismo, é a compreensão de que a vida é uma dança eterna, que muda o tempo todo, e é impossível querer fixá-la ao nosso gosto e prazer. Em outras palavras, reconhecer que a existência é impermanente e mutável. Uma pessoa pode querer muito alguma coisa ou alguém, mas a vida (ou o carma) pode não lhe permitir. Para transformar os desejos obsessivos, a medicina tibetana fala da importância de reconhecer as energias em jogo e relativizar as coisas. Esse novo olhar pode nos tornar mais maleáveis.

2. Para a raiva, é preciso suavizar (ou neutralizar de vez) a noção de posse – o discurso do eu, meu, minha. Enfim, o ideal é abrandar a força do ego, o grande motivador do temperamento agressivo. Os ensinamentos de Buda afirmam que tudo na vida se interliga como numa grande rede e se o ego puxa mais de um lado, quem sofre é ele mesmo. Diz a tradição budista que vivemos numa caixa, a caixa das percepções errôneas (o mundo de maia, ou ilusão). Pensamos que somos separados um do outro e queremos agir independentemente, sem considerar o conjunto. Seria como uma célula que resolvesse reagir por si só, ignorando o sistema (o corpo humano) que a alimenta. E o budismo vai além: diz que a realidade é virtual, só tem existência relativa, como um sonho. Por quê, então, querer garantir o que é seu e defender tanto o seu eu se ele nada mais é do que... um sonho?

3. Para a mente tacanha, a grande indicação é ampliar o horizonte com conhecimento e sabedoria. Os budistas chamam esse conjunto de ensinamentos de darma. Embora o darma seja útil para qualquer um dos venenos, a mente estreita é o que mais se beneficia deles. ALIMENTOS ADEQUADOS A CADA TIPO
Todos os seres humanos têm os três temperamentos (denominados ventos – ou correntes de energia –, bílis e fleuma), embora um ou outro se manifeste mais intensamente. Para equilibrá-los, é preciso adequar a alimentação aos tipos.

1. Quem manifesta mais as características do sistema relativo ao elemento ar deve evitar as frituras. Desenvolver atividades que acalmam e estimulam a concentração.

2. Os mais agressivos devem evitar alimentos quentes (condimentados), assim como exercícios intensos, que aumentam o elemento fogo.

3. Os doces não são recomendados aos tipos ligados ao elemento terra, embora gostem muito deles. Exercícios e esportes podem equilibrar sua tendência em se tornar demasiadamente sedentários ou obesos.
PARA UMA VIDA MELHOR
A boa digestão precisa de comida quente. O excesso de comida fria (saladas, sanduíches frios, alimentos crus) dificulta o metabolismo e, com isso, mais toxinas podem ir para o sangue. É bom acompanhar uma comida fria com algo quente e evitar comer saladas à noite, quando o corpo pede algo que aqueça e conforte. O doutor Dorjee também aconselha esperar que a digestão de uma refeição se complete antes de ingerir outros alimentos. Se na digestão de um alimento ingerimos algo, o processo começa de novo e o alimento anterior não é bem assimilado. O médico também recomenda não misturar certos alimentos. Por exemplo: evite tomar um copo de leite e, 15 minutos depois, um chá com limão. Outro cuidado: carne e queijo também não se harmonizam. Conhecer esses alimentos antagônicos é uma chave para encontrar a saúde.
POR QUE SER SAUDÁVEL E TER VIDA LONGA?
Nessa medicina espiritual, não se é saudável apenas para si. Há uma razão maior: diz respeito a praticar o bem, o darma cotidiano, ao aprofundamento espiritual para beneficiar todos os seres (o darma sagrado). Diz o doutor Dorjee que toda tradição espiritual também tem seu conjunto de darma, tanto o cotidiano como o sagrado, e que ensinamentos éticos e espirituais podem ser encontrados em qualquer religião.

Matéria extraída da Revista Bons Fluidos/Novembro 2007
Texto: Liane Alves

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