sábado, 31 de maio de 2008

Espelho mágico

Num sentido espiritual, não é muito efetivo tentar mudar o mundo externo para evitar nosso sofrimento. Por exemplo, se nos olhamos num espelho e vemos um rosto sujo, poderíamos pensar "Oh, que rosto imundo!" e rapidamente pegar um pano e esfregar o espelho. Esta não é a forma de nos livrarmos da face suja que vemos.

Uma vez tendo realizado que o que está refletido é nossa própria face, podemos mudar a aparência no espelho simplesmente lavando o rosto. Não obteremos resultados lavando o sofrimento de nossas circunstâncias,mas reconhecendo nossa mente como a causa original, podemos nos modificar.

Chagdud Tulku Rinpoche, em "Vida e Morte no Budismo Tibetano",

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sexta-feira, 30 de maio de 2008

O que é a renúncia?


" A renúncia não consiste em desistir das coisas deste mundo, mas em aceitar que elas se vão."

Shunryu Suzuki-Roshi

terça-feira, 27 de maio de 2008

Libertação Animal

Dentre os muitos vídeos que defendem a compaixão pelos animais, esse foi o único que consegui assistir até o final...

Sem amor


A inteligência sem amor te faz perverso.
A justiça sem amor te faz implacável.
A diplomacia sem amor te faz hipócrita.
O êxito sem amor te faz arrogante.
A riqueza sem amor te faz avarento.
A nobreza sem amor te faz orgulhoso.
A beleza sem amor te faz fútil.
A autoridade sem amor te faz tirano.
O trabalho sem amor te faz escravo.
A simplicidade sem amor te deprecia.
A lei sem amor te escraviza.
A política sem amor te deixa egoísta.
A fé sem amor te deixa fanático.
A cruz sem amor se converte em tortura.
A vida sem amor... não tem sentido!

Karma Tsultrim Gyamtso
Do Blog Filosofia do Penetral

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Compaixão na meditação


[...] o melhor de tudo é que não importa quanto tempo você vai meditar, ou o método que vai utilizar, toda técnica de meditação budista acaba gerando compaixão, independentemente de estarmos conscientes ou não dela. Sempre que observar sua mente, você não tem como deixar de reconhecer a semelhança com as pessoas que o cercam.

Quando vê seu próprio desejo de ser feliz, você não tem como evitar ver o mesmo desejo nos outros e, quando observa claramente o próprio medo, raiva ou aversão, você não tem como evitar ver que todos a seu redor sentem o mesmo medo, raiva ou aversão.

Quando observa a própria mente, todas as diferenças imaginárias entre você e os outros automaticamente se dissolvem e a antiga prece dos Quatro Imensuráveis se torna tão natural e persistente quanto as próprias batidas de seu coração:

Que todos os seres sencientes tenham felicidade e as causas da felicidade.
Que todos os seres sencientes se vejam livres do sofrimento e das causas do sofrimento.
Que todos os seres sencientes tenham alegria e as causas da alegria.
Que todos os seres sencientes permaneçam em grande serenidade, livres do apego e da aversão.


Yongey Mingyur Rinpoche, em "A Alegria de Viver".

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Encarou uma Reforma?


Então descubra os lugares onde é possível doar móveis e objetos de descarte de obras.

Aproveite a reforma da sua casa para ajudar alguém. Às vezes, quem precisa está muito perto de você – a empregada, o entregador de água, o porteiro... Mas móveis, peças, objetos usados e sobras de materiais de construção também podem ser doados a instituições, que se encarregam de encaminhá-los a quem precisa. Eis alguns sites de instituições que aceitam (e precisam) dessas doações . Ligue para saber como pode ajudar.

Ação Criança
São Paulo-SP
Fone: 11 3289-7400
www.acaocrianca.org.br

Aliança Internacional do Animal
São Paulo-SP
Fone: 11 3749-0800
aila@aila.org.br ou alia.org.br

APAE
São Paulo-SP
Fone: 11 5080-7000
www.apaesp.org.br

Arsenal da Esperança
São Paulo-SP
Fone: 11 6694-5444
www.arsenaldaesperanca.org.br

Associação de Apoio à Criança com Câncer
São Paulo-SP
Fone: 11 5084-5434
www.aacc.org.br

Associação Batista Beneficente e Missionária
Fortaleza-CE
Fone: 85 3290-2441
www.abbem.org.br

Associação Santo Agostinho
São Paulo-SP
Fone: 11 3887-8161
www.asa-santoagostinho.org.br

Exército de Salvação
São Paulo-SP
Fone: 11 5562-2285
www.exercitodesalvacao.org.br

Sistema Fiergs
Porto Alegre-RS
Fone: 51 3347-8787
www.fiergs.org.br

Da Revista Vida Simples - Novembro/2007

terça-feira, 20 de maio de 2008

Pela janela


Imagine passar sua vida inteira em um pequeno quarto com apenas uma janela fechada e tão suja que mal deixe passar a luz. Você provavelmente acharia que o mundo é um lugar bastante obscuro e sombrio, repleto de criaturas de formas estranhas que lançam sombras aterrorizantes no vidro sujo quando passam pelo seu quarto. Mas imagine que um dia você derrame um pouco de água na janela, ou um pouco de chuva escorra pelo vidro depois de uma tempestade e use um trapo ou a manga de sua camisa para enxugar a água. Ao fazer isso, parte da sujeira acumulada no vidro é limpa. Subitamente, um pequeno feixe de luz atravessa o vidro. Curioso, você pode limpar um pouco mais e, à medida que mais sujeira é limpa, mais luz entra no quarto. “Talvez”, você pensa, “o mundo não seja tão escuro e assustador. Talvez seja o vidro”.

Você vai até a pia e pega mais água (e talvez mais alguns trapos) e esfrega até que toda a superfície da janela fique livre da sujeira. A luz entra em todo o seu resplendor e você percebe, talvez pela primeira vez, que todas aquelas sombras de formas estranhas que costumavam assustá-lo a cada vez que passavam eram pessoas – exatamente como você! E, das profundezas de sua consciência, surge o desejo instintivo de formar um vínculo social – sair para a rua e estar com essas pessoas.

Na verdade, você não mudou absolutamente nada. O mundo, a luz e as pessoas sempre estiveram lá. Você só não conseguia vê-los porque sua visão estava obscurecida. Mas agora você vê tudo, e que enorme diferença isso faz!

É isso que, na tradição budista, chamamos de despertar da compaixão, o despertar de uma capacidade inata de identificar-se com e compreender a experiência dos outros.


Yongey Mingyur Rinpoche, A alegria de viver, Editora Elsevier/Campus, Rio de Janeiro, 2007

domingo, 18 de maio de 2008

Interdependência


Se você for um poeta..
verá claramente que há uma nuvem flutuando nesta folha de papel. Sem uma nuvem, não haverá chuva; sem chuva, as árvores não podem crescer e, sem árvores, não podemos fazer papel. A nuvem é essencial para que o papel exista. Sem uma nuvem, não podemos ter papel, assim podemos afirmar que a nuvem e a folha de papel intersão.

Se olharmos ainda mais profundamente para dentro desta folha de papel, nós poderemos ver os raios do sol nela. Se os raios do sol não estiverem lá, a floresta não pode crescer. De fato, nada pode crescer. Nem mesmo nó podemos crescer sem os raios do sol. E assim nós sabemos que os raios do sol também estão nesta folha de papel. O papel e os raios do sol intersão.

E, se continuarmos a olhar, poderemos ver o lenhador que cortou a árvore e a trouxe para ser transformada em papel na fábrica. E vemos o trigo. Nós sabemos que o lenhador não pode existir sem o seu pão diário e, conseqüentemente, o trigo que se tornou seu pão também está nesta folha de papel. E o pai e a mãe do lenhador estão nela também. Quando olhamos desta maneira, vemos que, sem todas estas coisas, esta folha de papel não pode existir.

Olhando ainda mais profundamente, nós podemos ver que nós estamos nesta folha também. Isto não é difícil de ver, porque quando olhamos para uma folha de papel, a folha de papel é parte de nossa percepção.

A sua mente está aqui dentro e a minha também. Então podemos dizer que todas as coisas estão aqui dentro desta folha de papel.

Você não pode apontar uma única coisa que não esteja aqui- tempo, espaço, a terra, a chuva, os minerais do solo, os raios do sol, a nuvem, o rio, o calor. Tudo coexiste com esta folha de papel. É por isto que eu penso que a palavra interser deveria estar no dicionário. "Ser" é interser.

Você simplesmente não pode "ser" por você mesmo, sozinho.

Você tem que interser com cada uma das outras coisas. Esta folha de papel é porque tudo o mais é.
Suponha que tentemos retornar um dos elementos à sua fonte. Suponha que nós retornemos ao sol os seus raios.

Você acha que esta folha de papel seria possível? Não, sem os raios do sol nada pode existir.

E se retornarmos o lenhador à sua mãe, então também não teríamos mais a folha de papel. O fato é que esta folha de papel é constituída de "elementos não-papel". E se retornarmos estes elementos não-papel às suas fontes, então absolutamente não pode haver papel.

Sem os "elementos não-papel", como a mente, o lenhador, os raios do sol e assim por diante, não existirá papel algum.

Tão fina quanto possa ser esta folha de papel, ela contém todas as coisas do universo dentro dela


Thich Nhat Hanh

quinta-feira, 15 de maio de 2008

No caminho com Maiakóvski


(Eduardo Alves da Costa)

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.


Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

terça-feira, 13 de maio de 2008

Only time

Only Time

Composição: Enya

Who can say where the road goes,
Where the day flows?
Only time...

And who can say if your love grows,
As your heart chose?
Only time...


Who can say why your heart sighs,
As your love flies?
Only time...

And who can say why your heart cries,
When your love dies?
Only time...


Who can say when the roads meet,
That love might be,
In your heart.

And who can say when the day sleeps,
If the night keeps all your heart?
Night keeps all your heart...


Who can say if your love grows,
As your heart chose?
Only time...

And who can say where the road goes,
Where the day flows?
Only time...

Who knows?
Only time...

Who knows?
Only time...

A quem pertence o presente?


Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar o zen aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.

Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante. O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo, e aumentar sua fama. Todos os estudantes se manifestaram contra a idéia, mas o velho aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos, ofendendo inclusive seus ancestrais. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.

Desapontados pelo fato de que o mestre aceitar tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram: 'Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós?'

'Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?' - perguntou o Samurai. 'A quem tentou entregá-lo' - respondeu um dos discípulos. 'O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos' - disse o mestre. 'Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a calma, só se você permitir...'

Conto Zen.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

"Não coma nada que não apodreça"


Quer uma dica simples para te ajudar a ter uma alimentação bem mais saudável? Use esta: Não como nada que não apodreça.

A idéia é de Michael Pollan que, entre outras tantas coisas ditas numa longa entrevista, diz algo que no fim das contas é bem simples. Ou seja, que toda comida de verdade, com o tempo, fica imprestável. E que aquelas que não ficam são cheias de gordura saturada, ômega 3, colesterol...
O ensaísta americano Michael Pollan, de 53 anos, é autor do livro há mais tempo na lista dos mais vendidos do jornal americano The New York Times: está há quinze semanas entre os primeiros colocados. In Defense of Food (Em Defesa da Comida) é a mais recente de suas obras sobre a indústria alimentar. Seu livro anterior, O Dilema do Onívoro, publicado no Brasil pela Editora Intrínseca, é outro best-seller sobre o tema. Pollan é radical em sua aversão aos exageros da ciência da nutrição. Ele diz que a humanidade está negativamente obcecada pelos benefícios da alimentação à saúde e que não deveríamos nos pautar unicamente pelos conselhos dos nutricionistas na hora de decidir o que comer.

Fonte: Revistas Veja e Vida Simples

sábado, 3 de maio de 2008

Vacuidade e renúncia


Sidarta [Buda] descobriu que a única maneira de confirmar a existência real de alguma coisa é provar que ela existe independentemente, livre de interpretação, fabricação ou mudança. Para Sidarta, todos os mecanismos aparentemente funcionais para nossa sobrevivência diária -- físicos, emocionais e conceituais -- caem fora dessa definição. São todos apenas combinações de partes instáveis e impermanentes, portanto estão sempre mudando. [...]

Por exemplo, você poderia dizer que seu reflexo no espelho não tem existência própria porque ele depende de você estar em pé na frente dele. Se fosse independente, então mesmo sem o rosto, deveria haver um reflexo. De modo similar, nada pode realmente existir sem depender de incontáveis condições.

[...] como não temos a inteligência de ver as partes das coisas, nos conformamos em vê-las em conjuntos. Se todas as penas são tiradas de um pavão, deixamos de ficar maravilhados. Mas não estamos querendo muito nos render a ver o mundo dessa maneira.

É como estar aninhado na cama tendo um bom sonho, levemente consciente de estar sonhando, mas não querendo acordar. Ou ver um belo arco-íris e não querer chegar perto, pois ele irá desaparecer.

Ter o espírito corajoso de acordar e examinar é o que budistas chamam de "renúncia". Diferentemente da crença popular, a renúncia budista não é auto-flagelação ou austeridade. Sidarta se esforçou e foi capaz de ver que toda a nossa existência se resume a etiquetas colocadas em fenômenos que não existem realmente. Com isso ele experimentou o despertar.

Dzongsar Khyentse Rinpoche, em "What Makes You Not a Buddhist"
Extraído do blog Samsara

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Que Diria Buda...

Hand-Embroidered Tibetan FlagImage by incurable_hippie via Flickr| Nayara Menezes |

Dalai Lama quer diálogo e o fim dos conflitos. A China quer silenciar o Tibete. E o mundo vem acumulando adeptos à causa dos monges tibetanos e, acima de tudo, quer a paz


O presidente da China, Hu Jintao, queria mostrar ao mundo o desenvolvimento alcançado pelo governo comunista. E para isso não economizou: gastou 60 bilhões de dólares na preparação do país para receber os jogos olímpicos.

Mas além da megaestrutura montada, outra cena fora do roteiro vem aguçando a atenção mundial. Monges tibetanos aproveitaram o brilho dos holofotes para clamar pela independência do Tibete, invadido pela China há mais de 50 anos. A polícia chinesa repreendeu o gesto com a brutalidade do regime totalitário. Mas o dragão – símbolo máximo da mitologia chinesa – se queimou em seu próprio fogo.
O mundo não gostou do que viu. Mas o que aconteceu com os monges budistas? Será que eles não conseguem mais praticar o pacifismo ensinado pelo mestre Buda?
Para entender os fatos atuais é fundamental compreender a essência dessa religião, que é uma das que mais crescem no mundo. Afinal, a repressão sofrida por monges e manifestantes pró-Tibete foi clara demonstração do medo que o governo chinês tem de que a religião acenda uma série de reivindicações dentro daquela que vem se tornando uma das maiores potências da atualidade.

O governo chinês não admite que nada ameace o desenvolvimento da economia que mais cresce no planeta. É por isso, que, segundo os especialistas, a China dificilmente cederá às pressões internacionais para libertar o território vizinho. Afinal, “o silenciamento do Tibete é ponto crucial da estratégia de dominação do regime comunista”, como analisa o cientista social e professor da PUC Minas Gilberto Damasceno. “Por definição, o estado comunista é laico e anti-religioso. A base do regime é o marxismo e um dos principais pensamentos de Karl Marx era que a religião é o ópio do povo”. De acordo com Damasceno, o fato de o totalitarismo não permitir divergências do regime e a convivência da multiplicidade de idéias é a principal causa do conflito no Tibete. Mas como explicar a contradição de um país que se autodenomina comunista e segue os ensinamentos marxistas, ser um dos países com maior expansão no mercado capitalista?

“A China é comunista das fronteiras para dentro. Das fronteiras para fora é extremamente capitalista”, define o professor Damasceno. Segundo ele, a dinâmica totalitária é exatamente o que garante a capacidade produtiva e explica o crescimento acentuado da China nos últimos anos. O filósofo e professor da Newton Paiva, René Dentz, compartilha da mesma opinião que o colega. “É o controle totalitário que proporciona o crescimento econômico da China”, reafirma.

E quem paga o preço pelo desenvolvimento econômico exacerbado é a própria população. Mais de 1,3 bilhão de habitantes sofrem na pele a falta de direitos trabalhistas e humanos impostos pelo regime comunista. “Os trabalhadores são explorados ao máximo, têm jornada excessiva, não têm final de semana e, ainda, recebem salários irrisórios”, pontua Dentz. Com mão-de-obra farta e barata, o país vai galgando posições importantes e realizando o famoso milagre econômico chinês, como descrito pelo escritor Luiz Giffoni, em seu livro China, o despertar do Dragão. “Os números sobre a China impressionam. São quase 2,5 trilhões de dólares de Produto Interno Bruto, 1,2 trilhão de dólares em reservas internacionais. O país registra 9% de crescimento médio anual desde 1981”, descreve Giffoni.

Graças a esses superlativos, especialistas afirmam que dentro de alguns anos a hegemonia da águia, alusão aos Estados Unidos, será substituída pelo poderio do dragão. No entanto, o professor René Dentz tem suas dúvidas em relação a essas projeções. “A China é hoje, sem dúvida, uma potência econômica. Porém, é urgente que ela resolva algumas questões éticas. Além do desrespeito aos direitos trabalhistas, o país não vem respeitando acordos internacionais importantes, como os direitos humanos, conquistados pelo mundo no pós-guerra e, ainda, desrespeita o meio ambiente”, avalia Dentz.

Para o professor, as manifestações pró-Tibete advindas de líderes internacionais, que ameaçam inclusive boicote na abertura dos jogos olímpicos, são prova de que o mundo está de olho na China e que cobra dela postura mais democrática. Já o professor Damasceno critica a posição dos líderes mundiais. “A Organização das Nações Unidas prega a autonomia das nações. Assim, todos os países democráticos se vêem obrigados a aderir ao discurso pró-Tibete. Porém, não há ameaça real de boicote. Se houvesse realmente solidariedade à causa tibetana, os países teriam formas mais eficazes de demonstrar isso, fazendo boicote à economia chinesa, por exemplo,” alfineta o professor Damasceno. Mas os especialistas admitem que no capitalismo não é viável decretar bloqueio econômico para grandes compradores ou grandes exportadores. “O mundo precisa da China”, resume Dentz.

Até mesmo a maior autoridade política e espiritual do Tibete, o Dalai Lama, parece concordar com essa afirmação. O líder já reconhece a dependência econômica do Tibete em relação à China. Nos últimos anos, o discurso do Dalai defende somente a autonomia da região, e não mais a separação total da China.


Segundo Damasceno, a postura do líder é a expressão máxima dos princípios do budismo. “A base do pensamento budista é a impermanência de todas as coisas. As pessoas são impermanentes, a juventude, até mesmo o próprio estado tibetano e os mosteiros são impermantes”.

O psicólogo zen budista Salim Zaidan, coordenador do Centro de Budismo Dawa Drolma, diz que a postura pacifista de Dalai Lama é mais um ensinamento budista. Um dos principais objetivos do budismo, segundo ele, é eliminar as causas do sofrimento, por meio da purificação dos sentimentos ruins, como desejo, apego, inveja. “Os monges estão brigando por um sonho impermanente. Quando eles perdem o controle sobre suas emoções, não conseguem se desapegar do Tibete, criam as causas para o sofrimento próprio e de toda a população tibetana. Quando o Dalai Lama pede pacifismo e tenta impedir que os monges respondam à polícia chinesa com violência, ele está evitando o sofrimento de milhares de pessoas, seguindo os preceitos do grande mestre, Buda”, analisa Zaidan.

No entanto, a posição pacifista do líder tibetano divide a opinião de seus seguidores. Mesmo ainda sendo a autoridade mais respeitada do Tibete, Dalai Lama não consegue conter a revolta dos seus seguidores e impedir o surgimento de uma nova corrente, denominada pelos especialistas como ‘budismo fundamentalista'. Ela é formada principalmente pelas novas gerações tibetanas, jovens que cresceram sob o enfraquecimento da influência do Dalai, exilado na Índia desde 1959. Eles viram e continuam a ver o saqueamento e a destruição do patrimônio religioso e cultural do Tibete. Apesar de estarem em sua própria pátria, os tibetanos são tratados como um povo de segunda categoria. Os melhores empregos da província são destinados aos chineses. Os mosteiros que ainda restam são vigiados ou até mesmo sitiados pela polícia. As manifestações religiosas são sufocadas pela repressão comunista.

Pouco a pouco, os tibetanos parecem não mais conseguir colocar em prática os ensinamentos do Buda, como paciência, tolerância e desapego. Eles brigam pelo direito de exercerem livremente sua religião. Pelo direito de terem de volta o território que lhes foi tomado. O psicólogo Léo Matos, estudioso e praticante do budismo tibetano, viveu sete anos na Índia e conviveu com lamas e monges tibetanos. Matos entende a postura pacifista do líder Dalai, porém, também compreende a revolta dos monges diante do domínio chinês. “É praticamente impossível uma convivência harmoniosa entre chineses e tibetanos. São culturas completamente diferentes”. Para o professor, a única saída para o conflito é a autonomia total do território tibetano. “Pode demorar anos, mas uma hora isso terá que acontecer”, opina.

O psicólogo Ricardo Sasaki, escritor e diretor do Centro de Estudos Buddhistas Nalanda, é de outra corrente do budismo, a escola Theravada. Ele também repudia o modo como o governo chinês trata suas minorias, já por décadas, praticando o genocídio cultural. “A repressão, a violência, o assassinato e torturas não podem acontecer num país que se propõe ser sede das Olimpíadas”, destaca. É esse também o discurso e apelo dos adeptos do budismo em todo o mundo. Manifestantes pró-Tibete dificultam a travessia da tocha olímpica rumo a Pequim. Na França, a chama chegou a ser apagada por manifestantes. Assim como o fogo da tocha olímpica, a causa pró-Tibete perderá a intensidade passadas as Olimpíadas. Porém, que sirva para acender as discussões mundo afora sobre o que acontece não só no Tibete, mas também no Turquestão, Paquistão, Iraque, e em tantas outras nações onde minorias são dominadas e oprimidas diariamente.

Da Revista Encontro