sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

De passagem...

Um viajante, passando pela casa de um monge Zen, perguntou admirado:

- Onde estão os teus móveis?
A que o monge respondeu, perguntando:
- E os teus?
- Mas eu... retrucou o viajante, estou só de passagem.
- Eu também – respondeu o monge.

Conto zen.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Pano de chão

Li esse texto no blog Águas da Compaixão e me identifiquei bastante com esse momento "pano de chão"

“Pano de chão”, do poeta Michio Mado :

Quando volto para casa em um dia de chuva
o pano de chão está me esperando
com a cara de um pano de chão.
Um rosto conhecido!
Mas certamente não era sua opção
tornar-se um pano de chão.
Até pouco tempo atrás
tinha a cara de uma camisa.
“sou uma camisa”, dizia.
Era macia como se fosse minha segunda pele
mas certamente tornar-se camisa
não foi sua opção.
Talvez há muito tempo,
em uma terra como a América
teria sorrido como uma flor de algodão
sorrindo para o vento e para o sol.


Se eu fosse um pano de chão, talvez dissesse. “seria melhor ser uma camisa”. Ou então: “agora me tornei um pano de chão, mas antes eu era uma bela camisa”. Um pano de chão que se lamenta assim não é útil. Não é nada fácil um pano de chão com a forma de uma camisa. Desempenhar plenamente o papel que nos foi confiado significa transformar-se plenamente em uma camisa quando temos que ser uma camisa, e voltar a ser um pano de chão quando devemos ser um pano de chão. Esta é a imagem de quem vive seguindo o caminho da verdade - Shojin - sem pensar em seus desejos caprichosos.

Pensar que o pano de chão não é importante e tem menos valor do que a camisa é uma idéia banal, a mentalidade típica dos seres humanos. Neste mundo, não há diferença de valor entre um objeto e outro. Ouvi dizer que um pino de poucos milímetros que sustenta os mecanismos de um relógio de cem mil yens custa apenas dez yens. Mas este pino tão barato é tão essencial ao funcionamento da vida quanto um objeto muito mais caro. Cada parte do relógio tem seu papel no funcionamento do mecanismo e, a cada instante, trabalha sem cessar para que o relógio não pare. Também nosso trabalho - qualquer que seja ele - é como as engrenagens de um relógio, mantendo uma família, uma empresa, um país e o mundo.

Se trabalharmos seriamente a cada instante, colocando de lado nossos pensamentos e interesses egoístas, podemos nos transformar em uma luz que ilumina as pessoas que nos circundam. Nossa presença por si só é suficiente para iluminar e nos tornamos a própria aparição de Shojin Haramitsu.

- de Shundo Aoyama Rôshi.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Cinco Vidas

Esse texto de Thich Nhat Hanh me lembrou o recém lançado filme de Gabriele Muccino "Sete Vidas" com Will Smith.

"Na psicologia budista, o reconhecimento que você fez algo errado e se sente arrependido por isto, pode ser uma energia positiva e boa. É uma das formações mentais identificadas como "indeterminadas", porque pode ser boa ou pode ser ruim. Mas se aquele sentimento se torna um tipo de prisão, um complexo de culpa, não lhe permitindo fazer qualquer coisa, se você for capturado por isto, então se torna algo negativo. Com a consciência que você fez algo injusto, que fazendo algo errado causou sofrimento dentro de você e para pessoas ao redor você, e se está incentivado pelo desejo de não fazer mais, não repetir mais, então você pode alcançar uma transformação. Você se compromete a não fazer isto, e não só não fazer mais isto, mas fazer o oposto. Então você pode adquirir a transformação e cura que deseja.

Durante a guerra no Vietnã, um soldado americano ficou muito bravo porque muitos dos seus amigos tinham morrido em uma emboscada organizada por guerrilhas. Por causa daquela raiva ele tentou se vingar criando ele mesmo uma emboscada. Assim, foi para a aldeia onde a emboscada tinha acontecido e deixou uma bolsa de sanduíches à entrada da aldeia, se escondeu atrás das árvores e observou. Ele tinha posto veneno nos sanduíches. Eram sanduíches muito bons, mas ele os abriu e pôs veneno dentro. Ele realmente não sabia o que estava fazendo, sendo levado completamente pela raiva e pelo desejo de vingança. Um grupo de crianças passando, achou os sanduíches e os compartilharam entre si. Cinco minutos depois de comer, elas começaram a segurar os seus estômagos e chorar, e seus pais vieram. Era uma aldeia remota. Os pais tentaram achar um carro para transportá-las para o hospital mais perto que estava a várias dúzias de quilômetros. O soldado sabia perfeitamente bem que não havia nenhum modo para salvá-los. Cinco crianças morreram por causa da emboscada.

Ele não pôde contar para ninguém aquela história. Por mais de dez anos ele não estava em paz consigo mesmo. Toda vez ele que estava sentando em um quarto com crianças, não podia agüentar e saia do quarto. Isto continuou até o dia em que ele veio a um retiro organizado por Plum Village no sul da Califórnia. Aquele retiro era especialmente organizado para veteranos do Vietnã. Os seus psicoterapeutas e as suas famílias também vieram para apoiar a prática. Eles se organizaram em grupos pequenos de cinco ou seis pessoas, e nós pedimos a muitos vietnamitas que vivem em comunidades vizinhas que viessem nos apoiar. Nós praticamos meditação sentada e escuta profunda, e lhes demos uma chance para falar.
(...)
O veterano que tinha matado cinco crianças pôde nos contar a história depois de fazer muitos esforços. Eu lhe disse: "Certo, você matou cinco crianças e se sente arrependido por isto. Mas eu quero que você saiba que crianças continuam morrendo diariamente e não só no Terceiro Mundo, mas também na América. Muitas crianças sofrem abusos; muitas crianças morrem por razões diferentes. Há crianças que morrem só porque elas precisam de uma dose de remédio que não podem dispor. Você sabia que se quisesse poderia salvar cinco ou dez crianças diariamente? Por que você fica apegado a esse complexo de culpa e destrói sua vida? Você ainda é jovem e pode fazer algo. É bom ver que você sabe que fez algo injusto e lamenta isto. Mas isso não é o suficiente, porque há coisas práticas que você pode fazer para ajudar as crianças. Se você quiser, nós lhe contaremos o que fazer para salvar cinco crianças hoje e cinco crianças amanhã. Se você praticar assim durante alguns meses, verá as cinco crianças que morreram no Vietnã sorrirem em você e você adquirirá transformação e cura.
(...)
Qualquer que seja a natureza de seu sofrimento, qualquer que sejam os erros que você cometeu, seja qual for a categoria a que eles pertençam, você pode praticar desse mesmo modo. Você faz um compromisso para não repetir mais e faz um compromisso para fazer o oposto, enquanto se transforma em um instrumento de amor e entendimento. No momento em que recebe os Cinco Treinamentos de Plena Consciência você pode se tornar outra pessoa. Transformação pode acontecer desde o começo. Muitas pessoas, no momento que recebem Treinamentos de Plena Consciência, sentem-se maravilhosos, como se fossem seres novos, por causa daquela energia que chamamos de voto, a determinação para viver nossas vidas de modo que se possa trazer alívio a muitas pessoas que sofrem."

(Discussão de Dharma dada por Thich Nhat Hanh no dia 27 de julho de 1998 em Plum Village, França)
Extraído do Blog Sanga Virtual

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Prática na vida cotidiana

"As práticas espirituais só adquirem seu sentido na vida cotidiana. A relação com nossos pais, esposa, marido, filhos e colegas de trabalho, e também com os seres em todos os planos da existência, material e sutil, isto é o termômetro da prática. Um sinal grave é o desinteresse e a falta de compaixão. O isolamento e a prática formal são artificialidades – só se justificam pela remoção de obstáculos que eventualmente proporcionem. Todas as construções espirituais, ainda que meritórias, são esponja, água e sabão, ou seja, dispensáveis ao final.

S.S.XIV Dalai Lama diz que todos os seres fazem prática espiritual, mesmo que não saibam, uma vez que se movem buscando tanto a felicidade como a liberdade frente ao sofrimento, e lembra que as religiões preenchem sua função justo por estarem voltadas a auxiliar os seres nisto.

Quando desejamos ter uma casa na praia, estamos também buscando felicidade. Ainda que nos falte clareza quanto a isto, esta é a motivação verdadeira, o elemento mental que cria no nosso desejo quanto à casa. Para buscar a felicidade, a casa de praia é uma boa opção?

Passar lá o fim de semana é ótimo, não há mácula nisso, mas quando chega o domingo, acaba. A casa da praia nos traz um tipo de felicidade que necessita um certo esforço e trabalho para acontecer, e o benefício é curto. No budismo, sentimos que trabalhos longos e felicidades curtas não são muito interessantes, buscamos produzir felicidade de longo alcance. Alguém, por exemplo, que supere internamente o orgulho, imediatamente melhorará sua relação com a família e com os amigos, nessa vida e nas que se seguirão e todos ao redor se beneficiam.

Há variados tipos de felicidade, por exemplo, a vaga em algum emprego. Neste caso nossa felicidade implica na frustração dos outros (que não conseguirão), além do mais, tão logo comecemos a trabalhar, já surge a insatisfação e começamos a pensar nos feriados ou então quanto tempo falta para nossa aposentadoria... Esse benefício de conseguir um "bom emprego" é muito diferente do de superar um dos cinco venenos – orgulho, inveja e avareza, desejo e apego, ignorância, raiva. Veja bem, quando superamos a avareza, neste exato instante nos tornamos ricos. Descobrimos uma fonte de satisfação permanente, e tudo que brota dessa fonte e que podemos oferecer aos outros é motivo de alegria para nós. Quem dá alguma coisa nunca perde essa alegria, já quem recebe, pode até esquecer.

Felicidade e motivação no budismo

A prática budista foca cuidadosamente a motivação. Recitar mantras ou entrar num templo sem a motivação correta, envelhece a religião. A falha é nossa. Por que não olhamos as práticas com o olho correto, não há benefícios, e nos tornamos surdos às palavras de sabedoria. Por outro lado, a motivação de trazer benefícios aos outros tem o poder de transformar qualquer ação em prática espiritual. É muito comum que as mães não tenham tempo para praticar formalmente, mas com a motivação de ajudar seus filhos e sustentar a casa, tudo que elas fazem se transforma em prática espiritual."


Lama Padma Samten

Leia o texto na íntegra



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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O que é uma Sangha?

"Na minha tradição aprendemos que indivíduos não podem fazer muito. É por isso que tomar refúgio na Sangha, tomar refúgio na comunidade é uma prática muito forte e importante. Quando eu digo: “Eu tomo refúgio na Sangha”, não significa que eu quero expressar minha devoção. Não. Não é uma questão de devoção, é uma questão de prática. Sem estar em uma Sangha, sem ser apoiado por um grupo de amigos que estão motivados pelo mesmo ideal e prática, não podemos ir longe.

Se não temos uma Sangha que nos dê suporte, podemos não estar obtendo o tipo de apoio que precisamos para nossa prática, que precisamos para nutrir nossa bodhicitta (o desejo forte de cultivar amor e entendimento em nós mesmos). Às vezes chamamos isso, “mente principiante”. A mente de um principiante é sempre muito bonita, muito forte. Em uma Sangha boa e saudável há encorajamento para a mente do principiante, para nossa bodhicitta. Portanto a Sangha é o solo e somos a semente. Não importa o quanto seja bonita e vigorosa nossa semente, se o solo não nos provê vitalidade, nossa semente morrerá.

(...)

Na minha tradição dizemos que quando um tigre deixa a montanha e vai ao vale, será capturado por humanos e morto. Quando um praticante deixa sua Sangha, abandona sua prática depois de alguns meses. De forma a continuar nossa prática de transformação e cura, precisamos de uma Sangha. Com uma Sangha, é muito mais fácil praticar, e é por isso que eu sempre tomo refúgio na minha Sangha."


(Traduzido do livro “Friends on the path” – Thich Nhat Hanh)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Minha sangha

Já disse aqui que há uns dois anos procuro por uma sangha. É muito difícil o caminho sem ela...

Mas devo confessar que acompanhando os blogs de meus "amigos virtuais" me sinto, de certa maneira, inserida em uma.

Se por enquanto essa é a única maneira, está ótimo pra mim, pois tem sido um aprendizado e tanto!

Tenho acesso a tantos textos, de tantos mestres, à visão de várias escolas, linhas de pensamento e depoimentos pessoais muito enriquecedores,... à amigos de outros países... Ah! Bendita internet...

Eles me trazem o Dharma diário, em todas as situações, sob tantas visões, não me deixam esquecer o que "eu" teimo em esquecer: o aqui e o agora, a impermanência, o estorvo do ego, meus compromissos...

Por isso acho que posso falar em Sangha sem medo. É esse o papel que eles têm cumprido.

ESSE É APENAS O INÍCIO DO MEU CAMINHO E SÓ POSSO AGRADECER POR SEREM MEU REFÚGIO...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Cérebro e espiritualidade

Baixa atividade em região cerebral estimula espiritualidade, diz estudo

A experiência espiritual das pessoas pode ser explicada pela falta de atividade em uma das regiões do cérebro responsáveis pela afirmação da identidade individual. É o que aponta um estudo realizado pelo neurocientista americano Brick Johnstone, da Universidade de Missouri, nos Estados Unidos, e divulgado na edição de novembro do jornal científico "Zygon".

A área em questão --o lóbulo parietal direito-- é onde as pessoas definem quem são elas. É a região, por exemplo, onde o cérebro processa as preferências e gostos pessoais, reconhecem as habilidades e os interesses amorosos da pessoa.

O estudo sugere que são justamente as pessoas que têm essa região menos ativa, com menos "definidores próprios", as mais suscetíveis a levar vidas espiritualizadas.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores testaram pacientes com essas áreas afetadas e compararam com estudos anteriores que mostram as especialidades de cada região do cérebro.

Eles notaram que, entre as 26 pessoas analisadas, as mais espirituais apresentavam um lóbulo parietal direito menos funcional. Este estado físico indicaria menos foco pessoal e menos autoconhecimento.

Abnegação


A descoberta sugere que uma das principais características da experiência espiritual é a abnegação, um comportamento antiegoísta, diz Johnstone.

Quanto à idéia disseminada por vários outros estudos que ligam a espiritualidade à saúde mental e física, Johnstone aponta um paradoxo. Ele afirma que esses benefícios podem ser provenientes de uma preocupação maior da pessoa com o outro do que em si mesma. Isso seria uma conseqüência natural da diminuição na atividade de autodefinição da pessoa.

O estudo ainda aponta que o maior silenciamento dos "definidores próprios" são mais comuns nos estados mais profundos de meditação ou oração. Johnstone diz que é quando as pessoas descrevem sentimentos de desligamento de todo o Universo.

"Se você observar a Torá, o Velho Testamento, o Novo Testamento, o Corão, uma porção de textos sufistas, textos budistas e textos hindus, todos eles falam sobre abnegação", disse o neurocientista.

Notícia enviada por Rodrigo Vaz
Folha Online (30/12/2008)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Aceitar a impermanência

Como pensar na impermanência quando tudo vai bem? Quando estamos em pleno gozo de fartura, sucesso e felicidade? Parece até um comportamento pessimista..., de gente que não sabe aproveitar as coisas boas da vida...
As vezes parece até que a idéia da impermanência nos serve somente de consolo para quando as coisas não vão bem...pois reflete a nossa esperança de que tudo aquilo vai melhorar.
Mas aceitar a impermanência é apenas não se apegar; é ter a certeza do momento, e somente dele; é deixar ir embora, quando chegar o momento, e deixar vir também.

"A impermanência é doce e amarga, como comprar uma camisa nova e, anos mais tarde, vê-la transformada em um pedaço de uma colcha de retalhos. [...] A impermanência é o princípio da harmonia. Quando não lutamos contra ela, estamos em harmonia com a realidade. Muitas culturas celebram esse vínculo. Existem cerimônias marcando todas as transformações da vida, do nascimento à morte, assim como encontrar-se e separar-se, ir à guerra, perder a guerra, vencer a guerra. Nós também podemos reconhecer, respeitar e celebrar a impermanência."

(Pema Chödrön, Quando Tudo Se Desfaz)

sábado, 3 de janeiro de 2009

Atenção!

A experiência de um economista com o monge budista Thich Nhat Hanh em um retiro na Inglaterra

texto Vitor Caruso
Da Revista Vida Simples Edição 01/2009

O monge budista Thich Nhat Hahn, apesar do nome difícil (pronuncia-se Tic Not Run), é conhecido mundialmente pelos ensinamentos simples, como focar a atenção no presente. Tido como o mestre do “aqui e agora”, escreveu mais de 100 livros, entre eles Paz a Cada Passo, que fala em trazer para a vida diária a meditação, praticando a plena consciência ao caminhar, ao atender o telefone, ao lavar os pratos ou mesmo enquanto esperamos o farol abrir. Na década de 60, o pequeno monge começou a viajar o mundo apresentando a trágica situação do Vietnã durante a guerra. Foi quando conheceu Martin Luther King, que ficou profundamente tocado pelos argumentos de não-violência do vietnamita e acabou indicando-o ao Prêmio Nobel da Paz em 1967 (que não foi atribuído a ninguém).

O monge é autor de livros memoráveis, como Velho Caminho, Nuvens Brancas, recém-lançado no Brasil, que será o roteiro de um filme sobre a vida do Buda. Quando não está no monastério em que vive na França, segue viajando para transmitir seus conhecimentos. Em agosto deste ano, eu (que sou professor de meditação) e outros cinco brasileiros nos juntamos a mais 700 pessoas de todo o mundo para seguir os passos do monge durante uma semana, em um retiro ao norte da Inglaterra.

Todos temos sementes positivas e negativas. Mas podemos escolher qual delas alimentar

Saí de Londres de trem e, em duas horas e meia, chegava a Nottingham, cidade na Inglaterra que originou a lenda de Robin Hood. Logo me instalei na universidade, com muito conforto. Na primeira noite, recebemos as instruções gerais, uma apresentação cordial dos procedimentos e horários. Recomendação: dormir cedo porque a meditação matinal começa às 6h30. Sim, a disciplina é importante para treinar a mente. Por isso, o retiro: não tem como escapar, logo cedo todas as pessoas estavam lá para a meditação silenciosa. Em alguns momentos, frases generosas ajudavam a nos concentrar ainda mais na respiração (por exemplo, inspirando eu chego em casa, expirando eu sorrio).

Então, chega a hora do café-da-manhã, que, assim como todas as refeições, é feito em silêncio absoluto para nos concentrarmos apenas no ato de comer, percebendo a importância de cada gesto, o gosto, o cheiro, a textura da comida. Costumamos fazer as refeições com amigos, familiares, colegas de trabalho. Normalmente, conversamos durante a refeição, a cabeça viaja em histórias ou, então, engolimos a comida rapidamente para voltar ao trabalho. Aqui, já começa o treino, ao manter a mente concentrada no momento, na refeição feita com calma.

Às 10 horas, todas as pessoas se reuniam no centro de conferências da universidade para a fala suave de Thay, como o monge é conhecido por seus alunos, que culminava numa Meditação Caminhando. Uma das características peculiares do retiro é que as famílias são estimuladas a trazer suas crianças. Thay pedia que todos estivessem juntos na primeira meia hora de sua fala, que sempre se concentrava em algo mais prático e tranquilo. Depois os jovens saíam para fazer outras atividades e ele seguia com o assunto de forma mais aprofundada. De tarde, dividíamos as impressões com um grupo menor. Em seguida, jantávamos e encerrávamos o dia com mais meditação silenciosa. Essa era a rotina, que nos mostrava de forma gentil a importância do silêncio, para estarmos mais atentos aos nossos gestos, e da fala, como forma de aprofundar esse entendimento.

Meditação andando

Após sua fala, Thay se dirigia à frente do centro de conferências e todos iam se postando atrás, formando um conjunto que caminhava em silêncio pelas trilhas entre os jardins e gramados da universidade. Em ritmo tranquilo, nem lento nem acelerado, Thay nos conduzia em silêncio. Em determinado momento, ele parava diante de alguma paisagem ou local agradável, sentava em silêncio e todos sentavam a sua volta, muitos emocionados.

Muitos no retiro estavam lá para conhecer um famoso escritor e fazer um retiro budista. Mas foram surpreendidos por um retiro terapêutico, em que éramos levados a analisar profundamente a natureza de nossas emoções, nossas relações com parceiros, familiares, filhos e profissionais. Um exemplo disso é o reconhecimento de que temos sementes positivas e negativas. As sementes positivas são as emoções de amor, compaixão e generosidade que possuímos. Porém também temos as tais sementes negativas de raiva, ódio e medo. Então, estimular as sementes positivas em nós, e nos outros, gera o efeito dominó de florescimento de qualidades. E quanto às sementes negativas? O que Thich ensina é que não precisamos negá-las, mas aprender a reconhecer e identificar seus efeitos prejudiciais. Com o tempo e a prática, reduzimos seu impacto nocivo. Ele contou a história de uma criança, maltratada por seu pai, que possuía uma forte tendência agressiva em relação à irmã menor. Com a plena atenção, a criança lentamente foi trabalhando seus impulsos de violência e transformando- os em gestos de amorosidade para com a irmã.

Eterno recomeço

Muitos dos ensinamentos de Thay eram reforçados pelas apresentações dos monges à noite. Uma das mais significativas foi a palestra da irmã Anabel, sempre sorridente, e da irmã Chan Khong, sobre como recomeçar relações. Isso mesmo. Recomeçar uma relação sem a carga e o peso de questões mal resolvidas. Eram pequenas dicas de como devemos reconhecer que estamos chateados com o outro e comunicar as dificuldades que surgem de determinado comportamento (sementes negativas), pedindo a compreensão da outra parte. Do outro lado, a pessoa é estimulada a ouvir, sem dar respostas imediatas, validando a posição apresentada, e muitas vezes a retornar ao assunto posteriormente, depois de sensata reflexão e meditação, pare recomeçar a conversa baseado num acordo sobre o assunto. Pedir desculpas é um ponto importante desse processo. Para os casais, isso é sugerido fazer constantemente, antes que pequenos problemas se tornem grandes distâncias. Mas a técnica também deve ser feita em outras relações. Se você perceber que algo está estranho, pode perguntar ao outro: “Em algum momento eu o magoei?” Chan Khong contou que, certo dia, uma criança pequena respondeu ao pai: “Sim, de manhã eu te mostrei um desenho. Você nem olhou, pois só se preocupava em falar ao celular”. Essas pequenas técnicas, aplicadas com frequência, tendem a manter muito próximo e de forma compreensiva o caminhar das relações.

Já no fim do retiro, participamos de uma sessão de perguntas e respostas com Thay. Por que estamos aqui? “A melhor pergunta seria como nós aproveitaremos melhor o fato de estarmos aqui, e não o porquê.” Como posso fazer para me defender dos problemas? “Com compaixão em seu coração, você se sentirá seguro.” Então foi a vez da minha pergunta: “Na sua opinião, qual a melhor forma de preparar o corpo para a prática espiritual?” “Sua pergunta pressupõe que exista uma separação entre a prática espiritual e o corpo. Minha resposta é: apenas pratique, pratique e você verá que não existe essa divisão.” “Meu marido morreu e minha filha não conheceu o pai. O que fazer com essa ausência de memória? “Existem crianças com os pais vivos, mas sem conexão. Mas o pai pode estar sempre aí. Quando eu tinha febre, minha mãe colocava sua mão em minha testa e eu me sentia aliviado quase imediatamente. Esta mão (ele mostra sua mão) é a mão da minha mãe, é a continuação da mão de minha mãe. Se eu a coloco em minha testa, posso sentir minha mãe. Você pode fazer o mesmo: ela é a continuação do próprio pai, não estão separados. Se ela quiser ver a mão de seu pai, basta olhar para a própria mão e entrar em contato.”

Antes de nos despedirmos, Thay conduziu uma belíssima cerimônia. Deixei a Inglaterra com vontade de semear sementes positivas para cultivar um planeta mais humano.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Tudo



Tudo
(Pato Fu)
Composição: John

Tudo que se acende apaga
Tudo que está dentro sai
Tudo que sobe desce
E tudo se encaixa

Tudo que se perde ganha
Tudo que levanta cai
Tudo que bate apanha
E tudo se encaixa

Tudo que se lembra esquece
Tudo que volta vai
Tudo que é triste alegre
E tudo se encaixa

Tudo que é feio é belo
Tudo que é filho é pai
Tudo martelo e prego
E tudo se encaixa