sexta-feira, 2 de maio de 2008

Que Diria Buda...

Hand-Embroidered Tibetan FlagImage by incurable_hippie via Flickr| Nayara Menezes |

Dalai Lama quer diálogo e o fim dos conflitos. A China quer silenciar o Tibete. E o mundo vem acumulando adeptos à causa dos monges tibetanos e, acima de tudo, quer a paz


O presidente da China, Hu Jintao, queria mostrar ao mundo o desenvolvimento alcançado pelo governo comunista. E para isso não economizou: gastou 60 bilhões de dólares na preparação do país para receber os jogos olímpicos.

Mas além da megaestrutura montada, outra cena fora do roteiro vem aguçando a atenção mundial. Monges tibetanos aproveitaram o brilho dos holofotes para clamar pela independência do Tibete, invadido pela China há mais de 50 anos. A polícia chinesa repreendeu o gesto com a brutalidade do regime totalitário. Mas o dragão – símbolo máximo da mitologia chinesa – se queimou em seu próprio fogo.
O mundo não gostou do que viu. Mas o que aconteceu com os monges budistas? Será que eles não conseguem mais praticar o pacifismo ensinado pelo mestre Buda?
Para entender os fatos atuais é fundamental compreender a essência dessa religião, que é uma das que mais crescem no mundo. Afinal, a repressão sofrida por monges e manifestantes pró-Tibete foi clara demonstração do medo que o governo chinês tem de que a religião acenda uma série de reivindicações dentro daquela que vem se tornando uma das maiores potências da atualidade.

O governo chinês não admite que nada ameace o desenvolvimento da economia que mais cresce no planeta. É por isso, que, segundo os especialistas, a China dificilmente cederá às pressões internacionais para libertar o território vizinho. Afinal, “o silenciamento do Tibete é ponto crucial da estratégia de dominação do regime comunista”, como analisa o cientista social e professor da PUC Minas Gilberto Damasceno. “Por definição, o estado comunista é laico e anti-religioso. A base do regime é o marxismo e um dos principais pensamentos de Karl Marx era que a religião é o ópio do povo”. De acordo com Damasceno, o fato de o totalitarismo não permitir divergências do regime e a convivência da multiplicidade de idéias é a principal causa do conflito no Tibete. Mas como explicar a contradição de um país que se autodenomina comunista e segue os ensinamentos marxistas, ser um dos países com maior expansão no mercado capitalista?

“A China é comunista das fronteiras para dentro. Das fronteiras para fora é extremamente capitalista”, define o professor Damasceno. Segundo ele, a dinâmica totalitária é exatamente o que garante a capacidade produtiva e explica o crescimento acentuado da China nos últimos anos. O filósofo e professor da Newton Paiva, René Dentz, compartilha da mesma opinião que o colega. “É o controle totalitário que proporciona o crescimento econômico da China”, reafirma.

E quem paga o preço pelo desenvolvimento econômico exacerbado é a própria população. Mais de 1,3 bilhão de habitantes sofrem na pele a falta de direitos trabalhistas e humanos impostos pelo regime comunista. “Os trabalhadores são explorados ao máximo, têm jornada excessiva, não têm final de semana e, ainda, recebem salários irrisórios”, pontua Dentz. Com mão-de-obra farta e barata, o país vai galgando posições importantes e realizando o famoso milagre econômico chinês, como descrito pelo escritor Luiz Giffoni, em seu livro China, o despertar do Dragão. “Os números sobre a China impressionam. São quase 2,5 trilhões de dólares de Produto Interno Bruto, 1,2 trilhão de dólares em reservas internacionais. O país registra 9% de crescimento médio anual desde 1981”, descreve Giffoni.

Graças a esses superlativos, especialistas afirmam que dentro de alguns anos a hegemonia da águia, alusão aos Estados Unidos, será substituída pelo poderio do dragão. No entanto, o professor René Dentz tem suas dúvidas em relação a essas projeções. “A China é hoje, sem dúvida, uma potência econômica. Porém, é urgente que ela resolva algumas questões éticas. Além do desrespeito aos direitos trabalhistas, o país não vem respeitando acordos internacionais importantes, como os direitos humanos, conquistados pelo mundo no pós-guerra e, ainda, desrespeita o meio ambiente”, avalia Dentz.

Para o professor, as manifestações pró-Tibete advindas de líderes internacionais, que ameaçam inclusive boicote na abertura dos jogos olímpicos, são prova de que o mundo está de olho na China e que cobra dela postura mais democrática. Já o professor Damasceno critica a posição dos líderes mundiais. “A Organização das Nações Unidas prega a autonomia das nações. Assim, todos os países democráticos se vêem obrigados a aderir ao discurso pró-Tibete. Porém, não há ameaça real de boicote. Se houvesse realmente solidariedade à causa tibetana, os países teriam formas mais eficazes de demonstrar isso, fazendo boicote à economia chinesa, por exemplo,” alfineta o professor Damasceno. Mas os especialistas admitem que no capitalismo não é viável decretar bloqueio econômico para grandes compradores ou grandes exportadores. “O mundo precisa da China”, resume Dentz.

Até mesmo a maior autoridade política e espiritual do Tibete, o Dalai Lama, parece concordar com essa afirmação. O líder já reconhece a dependência econômica do Tibete em relação à China. Nos últimos anos, o discurso do Dalai defende somente a autonomia da região, e não mais a separação total da China.


Segundo Damasceno, a postura do líder é a expressão máxima dos princípios do budismo. “A base do pensamento budista é a impermanência de todas as coisas. As pessoas são impermanentes, a juventude, até mesmo o próprio estado tibetano e os mosteiros são impermantes”.

O psicólogo zen budista Salim Zaidan, coordenador do Centro de Budismo Dawa Drolma, diz que a postura pacifista de Dalai Lama é mais um ensinamento budista. Um dos principais objetivos do budismo, segundo ele, é eliminar as causas do sofrimento, por meio da purificação dos sentimentos ruins, como desejo, apego, inveja. “Os monges estão brigando por um sonho impermanente. Quando eles perdem o controle sobre suas emoções, não conseguem se desapegar do Tibete, criam as causas para o sofrimento próprio e de toda a população tibetana. Quando o Dalai Lama pede pacifismo e tenta impedir que os monges respondam à polícia chinesa com violência, ele está evitando o sofrimento de milhares de pessoas, seguindo os preceitos do grande mestre, Buda”, analisa Zaidan.

No entanto, a posição pacifista do líder tibetano divide a opinião de seus seguidores. Mesmo ainda sendo a autoridade mais respeitada do Tibete, Dalai Lama não consegue conter a revolta dos seus seguidores e impedir o surgimento de uma nova corrente, denominada pelos especialistas como ‘budismo fundamentalista'. Ela é formada principalmente pelas novas gerações tibetanas, jovens que cresceram sob o enfraquecimento da influência do Dalai, exilado na Índia desde 1959. Eles viram e continuam a ver o saqueamento e a destruição do patrimônio religioso e cultural do Tibete. Apesar de estarem em sua própria pátria, os tibetanos são tratados como um povo de segunda categoria. Os melhores empregos da província são destinados aos chineses. Os mosteiros que ainda restam são vigiados ou até mesmo sitiados pela polícia. As manifestações religiosas são sufocadas pela repressão comunista.

Pouco a pouco, os tibetanos parecem não mais conseguir colocar em prática os ensinamentos do Buda, como paciência, tolerância e desapego. Eles brigam pelo direito de exercerem livremente sua religião. Pelo direito de terem de volta o território que lhes foi tomado. O psicólogo Léo Matos, estudioso e praticante do budismo tibetano, viveu sete anos na Índia e conviveu com lamas e monges tibetanos. Matos entende a postura pacifista do líder Dalai, porém, também compreende a revolta dos monges diante do domínio chinês. “É praticamente impossível uma convivência harmoniosa entre chineses e tibetanos. São culturas completamente diferentes”. Para o professor, a única saída para o conflito é a autonomia total do território tibetano. “Pode demorar anos, mas uma hora isso terá que acontecer”, opina.

O psicólogo Ricardo Sasaki, escritor e diretor do Centro de Estudos Buddhistas Nalanda, é de outra corrente do budismo, a escola Theravada. Ele também repudia o modo como o governo chinês trata suas minorias, já por décadas, praticando o genocídio cultural. “A repressão, a violência, o assassinato e torturas não podem acontecer num país que se propõe ser sede das Olimpíadas”, destaca. É esse também o discurso e apelo dos adeptos do budismo em todo o mundo. Manifestantes pró-Tibete dificultam a travessia da tocha olímpica rumo a Pequim. Na França, a chama chegou a ser apagada por manifestantes. Assim como o fogo da tocha olímpica, a causa pró-Tibete perderá a intensidade passadas as Olimpíadas. Porém, que sirva para acender as discussões mundo afora sobre o que acontece não só no Tibete, mas também no Turquestão, Paquistão, Iraque, e em tantas outras nações onde minorias são dominadas e oprimidas diariamente.

Da Revista Encontro

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