sábado, 14 de junho de 2008

Princípios da meditação


O tratamento dos pensamentos

Os principiantes, sem saber com exatidão o que é a meditação, criam a expectativa de uma calma perfeita, totalmente livre dos pensamentos. Temem sua vinda, e quando estes surgem desolam-se por sua incapacidade de meditar. Temer os pensamentos, irritar-se ou inquietar-se com seu aparecimento, crer que a falta de pensamentos é uma boa coisa em si, são erros que conduzem a um estado de frustração e culpa inúteis.

A mente de um não-meditador, de um principiante e de um meditador confirmado é atravessada por pensamentos. Mas, a maneira de abordá-los varia de modo considerável de um para o outro.

Alguém que não pratica a meditação é, em sua relação com os pensamentos, semelhante a um cego, o rosto voltado para uma estrada longínqua. O cego é incapaz de ver se automóveis passam ou não na estrada. Da mesma forma, a pessoa comum, embora experimentando um sentimento vago de desconforto e mal estar interiores, não está, em absoluto, consciente da torrente de pensamentos que, no entanto, escoa sem interrupção.

Ao começarmos a meditar, descobrimos os olhos para ver, mas gostaríamos que não passasse nenhum automóvel na estrada. Vem um primeiro automóvel, nossa atenção decepciona-se. Um segundo, nova decepção. Um terceiro, irritamo-nos, etc. A esperança ingênua de uma estrada vazia é incessantemente enganada. Estamos ao mesmo tempo conscientes e infelizes com a sucessão dos veículos. Cada automóvel que passa é uma nova dificuldade. Revoltamo-nos contra um estado de coisas inevitável. Quando encaramos a meditação como um espaço desprovido de pensamentos cada pensamento que se apresenta contradiz com evidência esse esquema preconcebido; estamos em situação de fracasso quase permanente.

Quando, ao contrário, compreendemos bem em que consiste a meditação, vemos desfilar os automóveis, mas sem revolta nem recusa, sem ter decidido que a estrada deveria estar vazia. Não esperamos a ausência de veículos, assim como não nos apavoramos com sua presença. Os automóveis passam e os deixamos passar; eles não são nem nocivos, nem benéficos. Se os pensamentos elevam-se, deixamos que passem naturalmente, sem nos ligarmos a eles nem condenando-os; se eles não se elevam, não encontramos aí objeto de satisfação particular. Uma abordagem sã dos pensamentos condiciona uma boa meditação.


As pessoas que compreendem mal a meditação crêem que todos os pensamentos devem cessar. Não podemos, de fato, estabelecer-nos num estado sem pensamentos. O fruto da meditação não é a ausência de pensamentos, mas o fato de que os pensamentos cessam de ser nocivos para nós. De inimigos, os pensamentos tornam-se amigos. Uma meditação ruim vem em geral da negligência das práticas preparatórias, mas também, estas tendo sido realizadas, da má compreensão da maneira justa de colocar a mente.

As pessoas ordinárias têm a mente perpetuamente distraída, dispersa. Quando meditamos, por outro lado, o maior impedimento vem das produções mentais sobreacrescidas, dos comentários sobre si mesmo e das pré-concepções. A meditação autêntica evita tanto a distração como os acréscimos mentais.

(Bokar Rinpoche. Meditação: Conselhos aos Principiantes. Traduzido por
Plínio Augusto Coelho; revisão técnica de Antonio Carlos da R. Xavier. Brasília:
ShiSil, 1997
Retirado do site Dharmanet

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